“So.Corro, se eu fosse você eu me movia” é um embricamento das linguagens de dança e teatro num espetáculo poético e engajado, que traz ao espaço público as discussões necessárias sobre a exploração da mulher no cotidiano da cidade/metrópole. Falar de machismo, de opressão, não a partir de sensações pessoais, mas de um corpo coletivo, social, que materialize as contradições em sua totalidade, era o mote inicial. 

PRECISAMOS TOCAR NESSE ASSUNTO! Assim começa essa pesquisa. Mulheres, entre mulheres, falando de abuso, reconhecendo hoje as mesmas limitações vividas pelas mulheres dos anos 60, 40, 20! Sensualidade, sexualidade, relações, angústias, dores, alucinações, histeria, estupro, casamento, filhos, violência, doenças, alegrias. O esqueleto, a musculatura, a direção de cada fibra, a espessura das fáscias, a quantidade dos líquidos, o peso, a dimensão… Criar a imagem interna para mobilizar externamente, mobilizar a si pra mobilizar o outro.

 O teatro numa tarefa de produzir imaginário simbólico que diga respeito à nossa gente. Mover para perceber as correntes que nos aprisionam. Estávamos vindo de uma pesquisa intensa sobre o sistema muscular e então, partimos desse ponto para treinamentos explosivos: boxe, ballet, corridas, corda e jogos com bola. O objetivo era exercitar o fôlego e condicionamento, já com essa qualidade muscular, para um espetáculo de 50 minutos ininterruptos. Em 2014, já quase no fim da montagem, esse encontro do grupo com as comunidades, com as mulheres de movimentos sociais, a história de vida da Maria do Socorro, mãe da intérprete, que faleceu dois meses antes da obra estrear… foram experiências que ativaram outra memória, coletiva.  

As femme-fatale dos filmes de ação, referências iniciais da obra, já não davam conta de nossa responsabilidade. A super-mulher não mais dos filmes, mas da vida real, quem era? Negras, indígenas, nordestinas, refugiadas, assentadas, elas eram nossas referências. Levantamos um repertório de ação a partir dessas mulheres-nós mesmas, num país misógeno, branco e heterossexual. Essa obra deve dar conta dela mesma, ou seja, o espetáculo já seria o organizar do espetáculo, a produção da coisa, em si. Não há contra-regra, não há empregadas. O público que espera a artista, se depara com a trabalhadora que limpa o chão, até que percebe a dança desse dia-a-dia. Já era a artista. Somos todas artistas desse cotidiano-trabalho-mulher.

“So.Corro, se eu fosse você eu me movia” é um embricamento das linguagens de dança e teatro num espetáculo poético e engajado, que traz ao espaço público as discussões necessárias sobre a exploração da mulher no cotidiano da cidade/metrópole. Falar de machismo, de opressão, não a partir de sensações pessoais, mas de um corpo coletivo, social, que materialize as contradições em sua totalidade, era o mote inicial. 

PRECISAMOS TOCAR NESSE ASSUNTO! Assim começa essa pesquisa. Mulheres, entre mulheres, falando de abuso, reconhecendo hoje as mesmas limitações vividas pelas mulheres dos anos 60, 40, 20! Sensualidade, sexualidade, relações, angústias, dores, alucinações, histeria, estupro, casamento, filhos, violência, doenças, alegrias. O esqueleto, a musculatura, a direção de cada fibra, a espessura das fáscias, a quantidade dos líquidos, o peso, a dimensão… Criar a imagem interna para mobilizar externamente, mobilizar a si pra mobilizar o outro.

So.corro é trabalho. é Obra!

 

“É obra de arte? É dança? É teatro? É de grupo? É político? é de direita ou de esquerda? É ato? É manifestação? É protesto? Pode participar? Pode rir? É pra chorar? Ela não fala nada?”

 

Socorro cansa de tanto que move, de faxina-emprego-cozinha-filho pra lavar. So.corro faz curativo em criança. Socorro morre todos os dias em hospitais da morte programada. Socorro é nordestina e gosta sempre de acocorar. Socorro é guerrilha sangue e até pulou da janela uma vez, fugida de homem-alcool. Socorro foi perdendo a vontade de andar por aí porque na cidade grande não cabe quem pisa pequenininho. Socorro só quer ser útil para alguma coisa nessa vida. Socorro é mãe vó e bizavó. É antiga Socorro. So.corro é mulher e está em movimento. É grito abafado. É metrô lotado. Palavra que cansou de sair. É sinal vermelho. Cuspe seco. É osso duro de doer. É pra morrer. É reforma reforma reforma até que um dia possamos dizer novos velhos ãos, novos velhos ismos. Até que um dia venha em que possamos de novo falar pessoalmente olhos nos olhos. Até lá, So.corro é silêncio e música, dentro de cada Cor-Ação.As femme-fatale dos filmes de ação, referências iniciais da obra, já não davam conta de nossa responsabilidade. A super-mulher não mais dos filmes, mas da vida real, quem era? Negras, indígenas, nordestinas, refugiadas, assentadas, elas eram nossas referências. Levantamos um repertório de ação a partir dessas mulheres-nós mesmas, num país misógeno, branco e heterossexual. Essa obra deve dar conta dela mesma, ou seja, o espetáculo já seria o organizar do espetáculo, a produção da coisa, em si. Não há contra-regra, não há empregadas. O público que espera a artista, se depara com a trabalhadora que limpa o chão, até que percebe a dança desse dia-a-dia. Já era a artista. Somos todas artistas desse cotidiano-trabalho-mulher.

Dramaturgia no corpo, dramaturgia em tempo real, improviso. A Improvisação é o carro chefe do Xingó. Composição no tempo e espaço. Estudos que tínhamos no encontro com parceiros como Lisa Nelson, Nanci Star Smithe e Steve Paxton. Debruçar-se sobre o tempo da cena, a duração e decadência do movimento, as partituras de sintonia, o “under-score: sub-partitura ou partitura adjacente”, jogos de estudo do improviso… Como sustentar uma cena? Desenvolver e alongar a percepção, debruçar-se no material de estudo da coluna a partir de rolamentos e toque, a respiração Sokushin Kokyu-Hõ, as gags clássicas da comicidade. Dentro de uma estrutura desenhada a quatro mãos: diretor de movimento, dramaturga, músico e intérprete, há uma arena onde objetos cênicos criam relações de fundo e laterais, numa espécie de picadeiro. A intérprete passa por um roteiro de ações básico: utilizar objetos de limpeza, acender o fogo e fazer café, comer a banana, vestir vestido, dançar com um salto só, vestir o jeans, improvisos com o banco… Ações criadas a partir da análise de cotidianos de mulheres que cruzamos na pesquisa. Houve um debruçar-se sobre como mover esses elementos, a partir do contato improvisação e da palhaçaria, usando a técnica pra se relacionar com o peso e tempo de cada objeto.                                      

A trilha sonora do tamborim-pulso que não cessa, passeia por ritmos e vozes variadas, na costura delicada dos temas: feminismo e capitalismo. Claudia, Nina Simone, Janis Joplin, Mercedez Sosa, Elis Regina, Gonzaguinha, Chicos. Uma escola de samba explode quando dançamos a violência, o abuso e a opressão. Na água fervente do quase café, as mulheres de véu, só olhos, denunciam no silêncio sustentado, a exploração da mulher nos países árabes. Não há falas, a fala é o gesto, e o movimento não é mímico, tampouco ilustrativo. Gestos contraditórios e conteúdos dialéticos, na pausa, em oposição aos inúmeros movimentos convulsivos. Partituras facéis de serem identificadas que se transfiguram em reconhecimento estranhado, provocando a reflexão. Elas, nós, quem são?

 

Nós dançamos. E sabemos da importância da configuração dos espaços nas relações que se estabelecem a partir dele. Este espetáculo pretendia uma radicalidade desde a busca da estética levada às últimas consequências, até a relação de chegada e saída nos espaços em que costumamos apresentar. Era necessário configurar um ambiente cênico em espaços que não são especificamente teatrais, para que a dança e a obra alcançassem um diálogo com outros públicos. Em conversas e discussões entre a diretora, a intérprete e a iluminadora, criamos uma Arena de Bolas Suiças, que configuraria nossa plateia. São mais de 60 bolas que devem ser cheias e depois esvaziadas em cada espetáculo, fazendo com o que público faça parte do processo de construção da obra, do início até o fim. A tarefa de inflar e desinflar as bolas, feita pelo público, é uma atividade simples e divertida, que aproxima as pessoas e proporciona conversas e encontros, pra além da obra. As bolas, assento dos espectadores, permitem liberdade de movimento e aproximam público e intérprete de forma sutil, na respiração, no pulso, no jogo de danças sobrepostas. As mulheres e homens dançam junto, em pequenos gestos, olhares, respirações. Traços que compõem a complexidade desses diálogos de Socorro, pra quem muitas vezes não tem ainda palavras para expressar o que sente. Diminuir cada vez mais a distância entre artista e público, pra que dancemos juntos, outro mundo possível, pra além do que nos torna sedentários e alienados. Queremos que fique nos espectadores a possibilidade de se moverem. Queremos que elas e eles permaneçam em movimento. A importância de levar um instrumento como a Bola Suiça dentro de comunidades e coletivos que nunca tiveram acesso a esse pensamento é fundamental quando aliada às oficinas que já temos oferecido, e a esse circuito que estamos criando em assentamentos e territórios de resistência.

Premiado com PROAC Montagem 2015, com Fomento à dança em 2016 e com Fomento à dança em 2019. Estreou em temporada no Centro de Referência da DAnça em 2015 e já percorreu os festivais mais importantes do país, como Matias de Teatro de Rua, em Rio Branco/Acre, Amazônia Em Cena na Rua, em Porto Velho/Rondônia, Mostra de Fomento à Dança, na Escadaria do Teatro Municipal em 2017, Temporada do Chapéu em Campo Grande/MS, Mostra Diversidança, Festival do Gueto Mario Pazzini, Sarau da Jandira, Festival Panamérica, Encontro de Mulheres do Movimento Sem Terra da Gleba XV, Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua, em Presidente Prudente, entre outros. Em São Paulo, foi feito em Universidades como Anhembi e Unesp, na FUNARTE, no TUSP, no Teatro Arthur Azevedo (palco principal e sala alternativa), no Espaço da Cia. Kiwi, no Al Janiah, na Avenida Paulista em ato com Cordão da Mentira, em praças, parques e sedes de grupos e em espaços de resistência como Casas de Mulheres que Sofrem Violência (cdcms), favela da Paz, assentamentos do interior do estado, etc. 

“Me impressionou a dramaturgia no corpo da intérprete. E esse circuito que vocês fazem, para além da categoria. O corpo da Erika realmente consegue materializar uma dramaturgia, o que é extremamente difícil. Seria fundamental os estudantes aqui da universidade (PUC- Artes do Corpo) assistirem essa obra.”
Helena Katz
Professora doutora
“Eu fiquei muito comovida em vários momentos. Gostei muito da palhaça. Eu ri em vários momentos. É difícil um espetáculo de dança com humor, comédia. Sobretudo essa coisa da horizontalidade, uma maneira de trabalhar que é muita intensa, do grupo de vocês. O afeto, a comida, nesse espaço-show depois do espetáculo. Tem uma capacidade de síntese, ao mesmo tempo em que é um vulcão."
Marianna Martins Monteiro
professora doutora da UNESP
"Qual o sistema que rege essa cidade? Por que é que não dá para viver nessa cidade? Vocês tem uma responsabilidade enorme ao fazer esse trabalho. E é importante quando vocês assumem essa dança engajada, essa obra política."
Fernanda Azevedo
Cia. Kiwi
"Seu trabalho é lindo demais. Fiquei impressionada com a capacidade de concentração(…) Você trouxe muito o cotidiano nosso, e nosso cotidiano é solitário e eu senti essa solidão. E está muito atual, porque nós estamos muito tensas nessa conjuntura política, muita tensão. E você traz tudo isso. Francamente, o trabalho me chocou. Eu toda hora esperava que ia entrar outra pessoa. Me deu vontade de entrar. Apesar da solidão, do estressamento, do esforço, da arte, que precisa ser expressa e que não é para qualquer uma de nós, eu acho que você convida a gente. Me senti convidada. E agradeço”
Amelinha Teles
fundadora da União de Mulheres, ex.presa política